quinta-feira, 8 de março de 2012

Meio ambiente, saúde e desenvolvimento sustentável


Henrique Rattner
FEA/USP

Sobre o estado do meio ambiente, neste início de século XXI.

Desde a primeira reunião internacional sobre o meio ambiente e desenvolvimento, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972, muitas outras a seguiram: A CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, outra reunião intermitente, também no Rio em 1997 que coincidiu praticamente coma de Kyoto, no Japão e inúmeras outras reuniões, em Johanesburgo, África do Sul e Bali na Indonésia, em fins de 2007 e, mais recentemente, a de Londres que devia preparar a agenda para nova reunião da Convenção do Clima da ON U, a realizar se em dezembro de 2009, em Copenhague, Dinamarca.

Os parcos resultados alcançados nesses 37 anos de reuniões e conferências das quais participaram milhares de delegados, políticos, jornalistas e representantes das ONGs – organizações não governamentais – causam desanimo e desespero naqueles que lutam incansavelmente para salvar o planeta e a humanidade de desastres ecológicos cada vez mais frequentes e violentos.

Mas, tal como na reunião de Kyoto quer procurava fixar metas para a redução de emissões de gases poluentes responsáveis pelo efeito estufa, também nas seguintes não se chegou a um acordo porque os principais países poluidores – os EUA e os BRICs – recusaram se terminantemente a assumir suas responsabilidades para reduzir, nos próximos quinze anos (1997-2012) suas emissões de CO2, NO4, SO2, metano e material particularizado, responsável por doenças respiratórias, sobretudo de crianças e de idosos, destacando se por sua arrogância a delegação norte americana que, devido à sua recusa numa reunião internacional que requer unanimidade na votação, inviabilizou todos os esforços. Em 1997, a Rússia aderiu ao Protocolo e, no final do mesmo ano, a Austrália sob governo trabalhista declarou sua adesão às metas da Convenção. Permanecem fora, por enquanto, os EUA e os três países “emergentes” – China, Índia e Brasil que alegam seu direito de poluir até terem alcançado o nível de desenvolvimento dos países “ricos”. O argumento é frágil no caso do Brasil, cujas queimadas de florestas são responsáveis por aproximadamente 20% das emissões de CO2 no mundo. Vários relatórios publicados nos últimos anos pelo PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – para facilitar o balanço da saúde ambiental do planeta e orientar os debates sobre os rumos da política ambiental a ser adotada para evitar desastres e seus impactos sobre populações indefesas, apontam os principais problemas:

A concentração de gás carbônico na atmosfera é um dos fatores que provocam o efeito estufa. Apesar de amplamente documentado e reconhecido ma Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, posteriormente reforçado pelo Protocolo de Kyoto, nenhuma ação concreta foi iniciada, devido à resistência dos EUA. O aumento do aquecimento global terrestre, em razão do aumento de consumo de combustíveis fósseis na produção de aço, cimento, energia termoelétrica e queimadas de biomassas, causou severos danos à camada de ozônio, com severos impactos na saúde das populações afetadas por câncer da pele.

A crescente escassez de água potável: com uma demanda crescente em consequência do aumento da população mundial, do desenvolvimento industrial e da agricultura irrigada, verifica se uma oferta limitada de água potável distribuída de forma muito desigual. Relatórios do PNUMA estimam que 40% da população mundial sofrem de escassez de água, desde a década de 1990. A falta de acesso à água e de saneamento básico tem resultado em centenas de milhões de casos de doenças, provocando mais de cinco milhões de mortos a cada ano.

A degradação de solos por erosão, salinização e o avanço da agricultura irrigada em grande escala, os desmatamentos e a remoção da cobertura vegetal natural, o uso de máquinas pesadas, as monoculturas e o uso de sistemas de irrigação inadequados, além de regimes de propriedade arcaicos, contribuem para a escassez crescente de terras aráveis e assim, a segurança alimentar da população mundial.

A poluição de rios, lagos, zonas costeiras e baías, tem causado degradação ambiental contínua por despejo de volumes crescentes de resíduos e dejetos industriais e orgânicos. O lançamento de esgotos não tratados aumentou dramaticamente nas últimas décadas, com impactos eutróficos severos sobre a fauna, a flora e os próprios seres humanos.

Os desmatamentos contínuos: relatórios do PNUMA estimam uma perda de florestas somente na década dos noventa, de 94.000 km quadrados ou seja, 15.000km quadrados anualmente só no Brasil, descontadas as áreas reflorestadas. Uma das consequências do desmatamento é a perda da biodiversidade, particularmente nas áreas tropicais. Mudanças climáticas, extração predatória de recursos naturais e minerais, transformações no uso do solo estão dizimando a flora e fauna em diversas regiões de mundo.

O crescimento exponencial da população, acompanhado de novos padrões de produção e consumo resulta em enormes quantidades de resíduos tóxicos poluentes com efeitos desastrosos na biodiversidade. Embora não existam dados precisos sobre espécies extintas nas últimas três décadas, o PNUMA estima que 24% (1.183) de espécies mamíferas e 12% (1.130) de aves estariam ameaçados de extinção.

A situação se configura particularmente dramática nas áreas urbanas e metropolitanas nas quais vive quase metade da população mundial, a maioria em condições de alimentação, habitação, saneamento e acesso a facilidades de recreação e lazer cada vez mais precárias. A concentração ininterrupta de desempregados, miseráveis e excluídos nos espaços urbanos caracterizados por desigualdades extremas produz o fenômeno de anomia social – marginalidade, delinquência e narcotráfico que enfraquecem a coesão social e ameaçam a própria governabilidade da sociedade. Um relatório das Nações Unidas estima que aproximadamente 800 milhões de habitantes urbanos vegetam abaixa da linha de pobreza e são extremamente vulneráveis a desastres naturais e mudanças ambientais. Essas mudanças são diretamente responsáveis pela saúde deteriorada e a baixa qualidade devida, sendo a falta de saneamento básico e a poluição do ar responsáveis pela maior parte de doenças e mortes.

Saúde e meio ambiente.

Na parte anterior do texto apontamos para alguns dos impactos causados na saúde humana, pela degradação do solo, ar e água, além dos efeitos desastrosos de condições de moradia inadequada e de falta de acesso ao saneamento básico,, sobretudo nas favelas e cortiços nas áreas metropolitanas.

A indústria de mineração e de beneficiamento de minérios e as indústrias petroquímicas, entre outras, são responsáveis pelo despejo ou descarga de resíduos químicos letais (mercúrio, benzeno, enxofre etc.) nos solos e rios, causando impactos muitas vezes irreversíveis na saúde das populações residentes na região. Outra grave ameaça à saúde humana origina se nos produtos alimentícios fornecidos por uma agricultura praticada em larga escala, baseada numa poderosa indústria de agrotóxicos, pesticidas e fertilizantes químicos que contaminam seus produtores e consumidores. Alegando a necessidade de prover alimentos básicos à população crescente concentrada nas áreas urbanas, a agricultura moderna utiliza pesticidas, hormônios e fertilizantes químicos que causam a devastação do meio ambiente, a contaminação dos lençóis freáticos e a deterioração da saúde dos consumidores – elo final da cadeia.

Significativo a respeito é a introdução de transgênicos que, tal como a “revolução verde” nos anos cinquenta, irão resolver os problemas de escassez de alimentos, mas cujos riscos à saúde humana e animal não têm sido pesquisados e avaliados devido às pressões políticas das grandes empresas produtoras. Assim, sua penetração nas áreas de lavouras tem acuado ou eliminado as culturas tradicionais e as variedades genéticas, além de criar uma dependência dos agricultores dessa tecnologia cuja propriedade é concentrada nas mãos de poderosas empresas e oligopólios.

Mas, os impactos mais sérios na saúde humana são produzidos, indubitavelmente, pelas condições de vida, a desigualdade social e a consequente exclusão e marginalidade que atingem dezenas de milhões de brasileiros e centenas de milhões da população mundial. Talvez, por isso, um relatório recente  divulgado pela OMS – Organização Mundial de Saúde – em agosto de 2008 e elaborado por um grupo de especialistas com ampla experiência em desenvolvimento e saúde, inicia se com as palavras “Justiça social é um assunto de vida e morte”. O documento concentra se na questão de desigualdade e sua relação com a saúde e conclama os governos a superar o fosso entre ricos e pobres, no período de uma geração. O fosso é configurado pelos extremos de mortalidade infantil e expectativa de vida entre os mais pobres da África, Ásia e América Latina quando comparados aos indicadores das classes média e alta, moradores nas áreas urbanas privilegiadas.

O relatório aponta para fatores sociais, políticos e econômicos que podem determinar ...”se uma criança irá crescer e desenvolver seu pleno potencial durante sua vida ou se morrer cedo”... Para reduzir os riscos dessa fatalidade, os especialistas recomendam, entre outras medidas, a melhoria da qualidade de vida, particularmente das mulheres e moças nos países pobres, mediante investimentos em cuidados às crianças, na educação e nas condições de trabalho. Insistem na necessidade de corrigir a distribuição desigual de dinheiro, poder e de outros recursos, por meio de um melhor sistema de governança, apoio à sociedade civil e políticas econômicas mais equitativas.

Outro fator importante para tornar o mundo em um lugar mais justo e saudável para os pobres, seria a transparência nas decisões e o monitoramento dos progressos em programas de eliminação das desigualdades na área de saúde.

O relatório seria apenas uma manifestação louvável de expectativas e de exortação do poder público para empreender políticas de distribuição de renda? Os autores reconhecem que o crescimento econômico tem impacto importante, embora possa levar, como de fato ocorre, à maior desigualdade, sobretudo se não houver políticas públicas para melhorar o nível de saúde das populações mais pobres. Outros fatores não monetários referem à insegurança de emprego que pode levar à angustia e depressão, indicadores de saúde mental afetada.

A vacinação de crianças, a educação sexual de meninas e a informação sobre nutrição adequada às mães podem melhorar o nível de saúde pública. A análise da estrutura dos serviços de saúde dá destaque à cobertura universal do tipo SUS que produziria melhores resultados do que outros modelos, vantagem essa documentada pelos indicadores de saúde de países como Costa Rica e Cuba, superiores aos dos outros países da América Latina, materialmente mais ricos. Também, a posição relativa do ministério da saúde na estrutura de poder e, portanto, a possibilidade de se obter mais verbas, seria outro fator determinante.

No fundo, os problemas de saúde pública têm raízes sistêmicas e interdependentes que refutam e inviabilizam qualquer abordagem linear e cartesiana. Donde se infere que qualquer reducionismo, em se tratar de problemas sociais complexos, se revela estéril e improdutivo. Para intervir nesse cenário desalentador é preciso melhorar os indicadores da eficácia das políticas públicas de saúde, para informar e conscientizar a sociedade civil, organizada e motivada para sua plena participação nas decisões que afetam sua saúde e seu bem estar.

A comprovação empírica de algumas das hipóteses levantadas acima pode ser extraída de duas publicações recentes do Ministério da Saúde do Brasil: Vigilância da Saúde Ambiental – Dados e Indicadores Selecionados – 2006, elaborada sob a coordenação geral de Anamaria Testa Tambellini, e IDB 2007 Brasil – Indicadores e Dados Básicos para a Saúde, editada pela RIPSA – Rede Interagencial para a Saúde. Ministério da Saúde e OPAS – Organização Panamericana de Saúde.

Voltando à sustentabilidade.

O conceito de sustentabilidade havia sido cunhado no relatório da Comissão Brundtland, divulgado em 1987, sob o título “Nosso Futuro Comum”. Os representantes dos países concordaram com a elaboração da Agenda 21 na qual se listavam metas e estratégias para os principais obstáculos ao desenvolvimento, desde o nível local, regional, nacional e até internacional. Apesar das críticas formuladas pelos autores, o tom geral era de otimismo e confiança nas políticas propostas para superar os desafios à construção de um mundo sustentável. Para definição de desenvolvimento sustentável foram apontados três critérios: economicamente viável; socialmente equitativo e ecologicamente inofensivo. Ignorava se , na teoria e na prática, a dimensão ética da vida em sociedade, face à dinâmica “perversa” da acumulação e reprodução do capital e seus impactos devastadores na espoliação e alienação dos trabalhadores e dos recursos naturais. O raciocínio que postula a prioridade do crescimento econômico como resposta aos desafios do desenvolvimento é falacioso, pois a cada dia aumentam as dúvidas sobre um modelo de crescimento que beneficie a poucos e traga desgraças para muitos. Em todas as sociedades, as pessoas se tornam angustiadas, frustradas e revoltadas diante da falta de perspectivas e da incapacidade dos governos de atender suas perspectivas de bem estar. O Estado perdeu o monopólio de poder coercitivo para grupos armados envolvidos no tráfico de drogas, de armas ou de jogos ilegais. Entre os defeitos sociais desses processos desestruturadores destaca se a percepção de uma situação de caos, de insegurança, de perda de identidade e assim, o enfraquecimento da solidariedade social. In fere se , portanto, que o conceito de sustentabilidade não pode ser reduzido ao “esverdeamento”, ao ecologicamente coreto e, tampouco, ao economicamente viável (para quem?). Há uma dimensão social e ética que deve ser priorizada, assegurando os direitos humanos e a justiça social para todos. Caberia ao Estado zelar pela “internalização” dos custos sociais e das deseconomias das metrópoles, penalizando seus responsáveis. Entretanto, a estrutura do sistema político não toca nos privilégios das elites, enquanto ignora as necessidades das populações desamparadas. De pouco adiantará o crescimento econômico se for em setores que consomem matéria prima e fontes energéticas não renováveis, poluem o meio ambiente e deixam resíduos tóxicos de difícil e custoso tratamento. A indagação sobre “como romper o círculo vicioso” nos leva à dimensão política, pouco explorada, dos processos de transformação. Desigualdades geram conflitos e violência – sintomas de sociedades insustentáveis – para conquistar ou distribuir melhor o acesso às posições de mando, ou seja, instaurar um regime mais democrático e solidário. O esgotamento do paradigma de desenvolvimento capitalista, cuja natureza centralizadora e autoritária inviabiliza uma evolução gradual e pacífica para um convívio democrático coloca na pauta a busca de um novo paradigma – uma sociedade democrática e inclusiva, protegida e orientada por um Estado que persiga como seu objetivo a reestruturação da sociedade, de seus espaços urbanos, da economia, do meio ambiente e do convívio social como tarefa central de nossa época. Retomando suas funções de planejamento e orientação das atividades econômicas, o Estado abrirá amplo espaço para todas as iniciativas criativas e inovadoras, individuais e coletivas.

O modelo presente de desenvolvimento do mundo não é sustentável. Mudanças do clima, perda de diversidade ecológica e cultural, pobreza e desigualdade tendem a aumentar a vulnerabilidade da vida humana e dos ecossistemas planetárias. Necessitamos de uma melhor compreensão das interações complexas e dinâmicas entre sociedade e natureza, à luz das relações não lineares, complexas e retro-alimentadoras dos processos observáveis. Pesquisas recentes nas áreas da biologia, astrofísica e computação evidenciam que em situações de caos aparente e de desestruturação, surgem nas bordas do sistema novas formas de organização e interação. O mesmo fenômeno pode ser observado na vida social em situações em que “tudo que é sólido se desmancha no ar”, quando surgem empreendimentos autogestionárias, cooperativas de produção e de consumo, entidades que praticam a economia solidária e outras formas alternativas , capazes de superar a desordem reinante. A organização coletiva – seja nas empresas autogestionárias, seja na agricultura familiar – permite também as manifestações das mais variadas formas de expressão cultural, pelas quais jovens e adultos conseguem romper os grilhões da marginalidade e encontrar um sentido para sua existência.

Até a reunião anual do Fórum Econômico Mundial realizado em Davos, Suíça, com a participação de altos executivos de empresas, políticos e acadêmicos, reconheceu a necessidade de se criar um novo sistema, em vez do capitalismo predatório e injusto. Mas, as propostas não passaram de um modelo que continuaria sendo hierárquico, explorador e polarizador entre ricos e pobres. A proposta alternativa foi proclamada pelo Fórum Social Mundial: Um outro mundo é possível e este será pluralista, democrático e igualitário.


Artigo em http://www.espacoacademico.com.br/095/95rattner.htm


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